Zezé Motta

Zezé Motta nasceu Maria José, no interior de Campos (RJ). Antes de completar 3 anos, seus pais, ele músico, ela costureira, decidiram tentar a vida na capital. Moraram no Morro do Cantagalo, mas começaram a achar pouco seguro para Zezé após um episódio de violência contra uma menina, e ela passou a viver com um tio, porteiro no Leblon. Depois, aos 6, foi para um colégio interno espírita kardecista no Botafogo. Apesar do ambiente conservador (as meninas tomavam banho de camisolão), Zezé tem boas memórias. Saiu da escola aos 12 anos, porque a situação financeira dos pais havia melhorado e eles não achavam justo ocupar a vaga de alguém que precisasse mais. Nessa época, a família passou a morar no Leblon. Zezé aprendeu a costurar com a mãe, que teve um ateliê em casa por 30 anos.

“Era mamãe na máquina de costura o dia inteiro, papai no violão praticando e o rádio eternamente ligado. Descobri o fascínio pela música ouvindo Ângela Maria, Nora Ney, Cauby Peixoto, Marlene, Emilinha, Jorge Goulart, Ellen de Lima – os reis da voz”, conta Zezé no livro Muito prazer, Zezé Motta, de Rodrigo Murat. Ouvia duas vezes uma música e já sabia cantar, para espanto do pai, que não imaginava que, no futuro, a voz da filha ecoaria na história da música brasileira.

Quando os pais se separaram, conseguiu um emprego como acondicionadora de produtos no laboratório Moura Brasil, na Gávea, enquanto voltava aos estudos. Na nova escola, foi apresentada a concertos e museus, passou a atuar no teatro. Em 1966, iniciou aulas no Teatro Tablado, com a própria criadora da escola, uma das mais importantes autoras brasileiras de teatro, Maria Clara Machado. “(...) Entrei para o curso de Contabilidade, onde me formei, e não abandonei meu emprego de laboratorista. Quando uma vizinha soube que eu estava no Tablado, maldou: Ué, não sabia que para fazer papel de empregada precisava de curso. Quer dizer, volta e meia eu esbarrava nessa historinha de preconceito”, contou a Rodrigo Murat. Zezé interpretou muitas empregadas na TV, numa época em que eram poucos os personagens negros nas novelas, mas fazia questão que elas tivessem um papel importante na trama. Quando foi tema de enredo da escola de samba Arrastão de Cascadura, do grupo 1-B (Zezé, um Canto de Amor à Raça) havia uma ala só de domésticas, representando as empregadas que fez ao longo da carreira. Mas Zezé quebrou tabus e sua personagem Sônia se casou com Claudio, personagem interpretado pelo galã Marcos Paulo, formando um casal inter-racial na novela da Globo Corpo a Corpo (1984). Na televisão, participou de cerca de 50 programas, entre minisséries, telefilmes e novelas, desde sua estreia em Beto Rockefeller (1968) até as mais recentes O Outro Lado do Paraíso (2018), em que deu vida à personagem “Mãe Quilombo”, abordando a intolerância religiosa e mostrando seu posicionamento em favor dos negros no nosso país.

A atriz encenou sua primeira peça profissional aos 21 anos. Em janeiro de 1968, ela integrou o coro do musical Roda Viva, escrito por Chico Buarque e dirigido por José Celso Martinez Corrêa. Encenado em uma época e que o Brasil vivia o regime militar, o espetáculo teve seus atores ameaçados e agredidos. Com o Teatro de Arena, nos anos 1960, encenou o clássico Arena Conta Zumbi, escrito por Gianfrancesco Guarnieri e Augusto Boal, com turnê pelos Estados Unidos, México, Peru e Argentina. O musical apresentava a luta dos quilombolas de Palmares e sua resistência.

Quando se apresentou com o Teatro de Arena no Harlem, bairro majoritariamente negro de Nova York, em plena época do black is beautiful (negro é lindo), o público ficou chocado pelo fato de ela usar uma peruca lisa. Ela conta que, nesse dia, voltou para o hotel, tomou um banho e deixou o cabelo voltar ao natural. Além da peruca, Zezé fazia alisamento com pente quente. “Ali eu comecei a me aceitar como negra. Saía nas ruas do Harlem e reparava que os negros americanos andavam de cabeça erguida. Não tinha essa postura subserviente que eu sentia no Brasil e em mim mesma. Essa viagem teve essa importância de fazer com que eu enxergasse meu país de fora”, conta.

Zezé dedicou mais de 50 anos dos seus 79 de idade à cultura no Brasil. A artista se tornou nacionalmente mais conhecida depois de representar a personagem-título do filme Xica da Silva, de Cacá Diegues. A atriz reunia a beleza, a energia e o carisma necessários para viver a mulher que teve um relacionamento amoroso com contratador de diamantes João Fernandes e subverteu a ordem do regime escravocrata. Xica da Silva (1976) não apenas consolidou Zezé Motta como uma estrela como também criou uma das personagens mais emblemáticas do cinema nacional.

Cantora, atriz, mãe de quatro filhos que adotou e a adotaram, ativista. Cinquenta e cinco anos de carreira. São 14 discos, mais de 50 projetos da TV e mais de 70 filmes. Uma trajetória para se orgulhar. Não apenas pelos números, mas também por sua história de luta contra o racismo. O seu imenso talento e carreira inspiram atuais e futuras gerações de mulheres que lutam por expressão, espaço e oportunidade.


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