Tae Suzuki

O nome de Tae Suzuki quase sempre vem acompanhado da palavra sensei, que, em japonês, significa professor, mestre, mas também aquele que veio antes de nós e merece respeito. Tae Suzuki foi professora da área de japonês do Departamento de Letras Orientais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP por mais de 30 anos até se aposentar, em 2005, contribuindo para divulgar a língua e a cultura japonesas no Brasil. Ela nunca parou de estudar e ensinar e, aos 77 anos, se aventura pelas redes sociais. Hoje dá aulas on-line e contribui com uma comunidade virtual de apaixonados pela língua japonesa. Em 2018, foi condecorada com a Comenda Ordem do Sol Nascente, Raios de Ouro com Laço. A homenagem foi criada em 1875 pelo Conselho de Estado do Japão. Ela é concedida pelo imperador às pessoas que contribuíram para a divulgação da cultura japonesa em seus países. Na FFLCH, Tae Suzuki, ou simplesmente Tae Sensei, como costuma ser chamada, foi chefe do Departamento de Letras Orientais e diretora do Centro de Estudos Japoneses. Fora da USP, atuou ainda como professora adjunta do curso de Japonês do Departamento de Línguas Estrangeiras da Universidade de Brasília e professora visitante do Departamento de Japonês da Universidade de Estrasburgo, na França.

Entre os motivos para o governo japonês homenageá-la está o fato de ela ter contribuído para a fundação do Programa de Pós-Graduação em Língua, Literatura e Cultura Japonesa na USP e de “a maioria dos principais estudiosos sobre o Japão no Brasil” serem seus ex-alunos. O governo do Japão também citou o fato de Tae Sensei ter contribuído para transmitir a cultura japonesa por meio da tradução de obras literárias clássicas e também pelos seus próprios livros, como autora ou coautora (alguns deles são “As Expressões de Tratamento da Língua Japonesa”, “Japão no Caleidoscópio: Estudos da Sociedade e da História Japonesa” e “Gramática da Língua Japonesa para Falantes do Português”), além de ter atuado como intérprete de português-japonês para as autoridades brasileiras por longo tempo, promovendo a relação de amizade entre os dois países.

Com modéstia, Tae Sensei sempre ressalta o papel do trabalho de equipe. “Sou da equipe que ajudou a formar e a sedimentar as bases para o Programa de Pós-Graduação em Língua, Literatura e Cultura Japonesa, o primeiro da área no Brasil. Por isso, este prêmio, para mim, não é individual. O mérito é de toda a equipe que atuou conjuntamente na época”, disse.

Quando se formou na faculdade de Letras, Tae Sensei ainda não sabia quais temas gostaria de seguir estudando na pós-graduação. Tinha certeza de que gostaria de conhecer um pouco mais sobre o desenvolvimento do idioma. “Eu ainda não sabia o que eu queria estudar”, conta. Com o tempo, a recém-formada decidiu que estudaria o keigo, que é o termo usado para as formas de tratamento. Aqui no Brasil, chamamos de “senhor” e “senhora” as pessoas mais velhas, por exemplo, e de “você” aquelas mais próximas. Podemos usar “vossa excelência” quando falamos com uma autoridade do governo. São formas de tratamento. No Japão, existem maneiras de se dirigir aos superiores hierárquicos (chefe, professor), aos mais velhos e aos que chegaram antes na escola, na faculdade, no trabalho, por exemplo. “As formas de tratamento são o comportamento social traduzido pela língua”, explica a sensei. Conhecendo essas formas, é possível saber mais sobre aquela sociedade, no caso a japonesa, explica.

Segundo a professora, as diferenças de tratamento já existem ao menos desde o século 3, e a língua japonesa desde o século 8 já registra formas de tratamento bastante diferenciadas. “Há registros de que, por volta do século 3, as pessoas esperavam do lado da estrada e baixavam a cabeça em sinal de respeito às autoridades que passavam, isso é um tratamento social”. Segundo Tae, isso se deve em grande parte ao confucionismo: são regras de fundo ético, que regem o comportamento das pessoas, e deixaram marcas também na Coreia. Não conheço a língua coreana, gostaria muito de estudá-la, não sei se ainda terei tempo”. Com a vontade dessa sensei de aprender e ensinar, apostamos que sim. “No japonês, em linhas gerais, temos o tratamento de respeito e o de modéstia ou humildade além do de polidez (maneira educada de falar). A polidez é o que ‘embrulha’ as falas para que não soem grosseiras aos ouvidos do interlocutor e não têm a ver com hierarquia social. Quando dizemos “arigatô”, é sempre importante usar “arigatô gozaimasu” (masu e desu são formas que indicam polidez) para ter certeza de que não soará mal-educado. Para quem se apaixonou pelo idioma japonês lendo mangás (revistas em quadrinhos) ou assistindo animes (desenhos animados), ela explica que nessas produções, em geral, se usa uma linguagem mais informal, que não é adequada para todas as situações. Segundo ela, o keigo, essa maneira educada de tratamento traduzido pela linguagem, tem relação com respeito e humildade, pelos quais o Japão é conhecido. Podemos dizer que Tae Suzuki também.

Sobre as mulheres que mais a influenciaram, Tae cita a mãe e a avó que, desde que enviuvou, foi morar com seu pai e foi quem cuidou dela, depois que seu irmão nasceu, 1 ano e meio depois. “Minha avó não falava o português e foi com ela que aprendi a ler em japonês, foi dela que ouvia histórias antigas e aprendi a cultuar os antepassados, começando pelas oferendas que todos os dias me fazia depositar no oratório budista onde ‘repousavam’ meu avô e um tio falecido jovem no Brasil. De minha mãe, aprendi a disciplina e o empenho naquilo que escolhesse para fazer, bem como a consideração pelo outro que, por coincidência ou não, é o fio condutor da linguagem de tratamento. Lembro dela me falando quando ia comprar um par de sapato: ‘Pegue uma meia limpa e sapato, velho, mas decente, em atenção ao vendedor que vai te atender’”.

Tae também reverencia as professoras que fizeram parte da sua história. “Entrei na escola sem falar o português e lembro da professora do segundo ano primário, dona Vera, que me segurou durante todo o recreio para me ensinar a diferença de pronúncia do L e do R. A raiva de ter perdido o recreio durou apenas alguns dias, pois foi com ela que aprendi o prazer da leitura em português, que se juntava ao que aprendia em japonês com minha avó”, lembra. Mais tarde, foram os ensinamentos de uma professora do Japão, que guarda como um lema de sua vida profissional: o importante são os alicerces, que não estão aparentes, mas sustentam o edifício. Assim, ela passou a estudar a língua e a cultura japonesas mais a fundo para passar às gerações futuras uma base sólida para levantar um belo edifício de língua e cultura japonesa no Brasil. Tae Sensei, dômo arigatô gozaimasu (muito obrigado)!


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