Aos 92 anos, ela fala com as crianças de igual para igual. Como ela mesma diz em um de seus poemas, “toda criança do mundo mora no meu coração”. A escritora Ruth Rocha nasceu em 2 de março de 1931, em São Paulo (SP). Ouviu da mãe, Esther, as primeiras histórias, entre elas, anedotas de família. Depois foi a vez de seu avô baiano, Ioiô, apresentar à neta os contos clássicos dos irmãos alemães Grimm, do dinamarquês Hans Christian Andersen e do francês Charles Perrault, que ele adaptava ao universo popular brasileiro na hora de contar. A futura autora foi conquistada de vez para o universo da literatura com os livros “Reinações de Narizinho” e “Memórias de Emília”, de Monteiro Lobato.
Já adolescente, Ruth descobriu a Biblioteca Circulante no centro de São Paulo. Seus autores preferidos eram o poeta português Fernando Pessoa, o poeta brasileiro Manuel Bandeira e os romancistas brasileiros Machado de Assis e Guimarães Rosa.
Ruth se formou em Ciências Políticas e Sociais pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Na faculdade conheceu Eduardo Rocha (o “Rocha” da Ruth vem daí), com quem se casou. Viveram juntos por 56 anos, até o falecimento dele, em 2012. Tiveram uma filha, Mariana, que inspirou as primeiras criações da escritora.
Entre 1957 e 1972, Ruth foi orientadora educacional do Colégio Rio Branco, em São Paulo. Foi nessa época que começou a escrever sobre educação para a revista feminina Cláudia, da editora Abril. Sua visão moderna sobre o tema chamou a atenção de uma amiga, Sonia Robato, que dirigia a revista Recreio, voltada para o público infantil.
Sonia propôs um desafio a Ruth: em tom de brincadeira, trancou a amiga numa sala. Ruth só poderia sair após escrever uma história. A escritora apresentou Romeu e Julieta, cujos personagens principais são borboletas. Foi a primeira de uma série de narrativas publicadas na Recreio, publicação da qual Ruth se tornaria diretora.
“Palavras, muitas palavras”, seu primeiro livro, foi publicado em 1976. Seu estilo direto e libertador ajudou, em conjunto com o trabalho de outros autores, como Ana Maria Machado, Pedro Bandeira e Sylvia Orthof, a mudar para a literatura escrita para crianças no Brasil. Ruth sempre respeitou a inteligência das crianças, numa relação de igual para igual. Em plena ditadura militar, a obra de Ruth encorajava o leitor a enxergar a realidade, sem renunciar à fantasia.
Depois veio “Marcelo, Marmelo, Martelo” (seu livro mais vendido, com mais de 70 edições e 20 milhões de exemplares vendidos), que conta a história de um menino que perguntava sobre tudo e questionava o nome dado a várias coisas. Por exemplo, cadeira, para ele, deveria ser “sentador”. “Todas as crianças me inspiraram. Todas as crianças do mundo me inspiram. Minha filha pequena e os amigos delas faziam perguntas engraçadas e isso me inspirou a fazer o Marcelo. Eu ria muito.”
Vieram ainda “O Reizinho Mandão” (incluído na “Lista de Honra” do prêmio internacional Hans Christian Andersen, entre muitos outros. A escritora tem mais 200 títulos publicados e já foi traduzida para 25 idiomas. Também traduziu uma centena de títulos infantojuvenis e é coautora de livros didáticos. Defensora dos direitos das crianças, sua versão, em parceria com Otávio Roth, para a Declaração Universal dos Direitos Humanos teve lançamento na sede da ONU (Organização das Nações Unidas), em Nova York, em 1988.
A lista de prêmios recebidos por Ruth não acaba: prêmios da Academia Brasileira de Letras, da Associação Paulista dos Críticos de Arte, da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, além do prêmio Santista, da Fundação Bunge, o prêmio de Cultura da Fundação Conrad Wessel, a Comenda da Ordem do Mérito Cultural e oito prêmios Jabuti, o principal prêmio literário no país, e da Câmera Brasileira de Letras.
Aquela garotinha que queria ler todos os livros do mundo hoje tem várias bibliotecas com seu nome e, em 2008, foi eleita membro da Academia Paulista de Letras. Tudo isso sempre respeitando a criança que ela foi e ainda traz dentro de si e todas as outras crianças: “As pessoas têm uma ilusão de que a criança não pensa nada, não faz nada, e não é verdade. A criança vê as injustiças, a criança vê até muito mais coisa”, disse numa entrevista.
Para quem quer seguir na carreira de escritora ou escritor, ela dá uma dica: “Leia, leia, leia, leia e leia mais. Só quem lê escreve. Ler é uma das coisas mais magicas que existem. Com a leitura conhecemos outros mundos, outras pessoas, e não é só para criança, a literatura é uma influência para o mundo. Ler é enxergar o mundo com os outros olhos. É muito enriquecedor para o adulto e para a criança”, disse numa entrevista.