Nascida em 1920, em Cachoeira Paulista, no interior de São Paulo, e considerada a primeira escritora negra a se projetar nacionalmente, Ruth Guimarães publicou mais de 50 obras entre romance, contos, crônicas, poemas e traduções. Ela estreou na literatura em 1946, publicando seu primeiro e único romance, Água Funda, em que retrata a vida caipira no sul de Minas Gerais cujo enredo se passa em uma fazenda do sul de Minas Gerais entre a abolição da escravatura e o início do século 20.
Ruth fez aqui uma original reconstituição etnográfica da linguagem caipira, aproximando-a das pesquisas de Mário de Andrade, de quem foi aluna e que trabalhou também com a cultura popular e com o que ambos chamavam de “língua brasileira”.
Alfabetizada muito cedo, já lia os jornais locais aos 5 anos de idade. Aos 10, publicou seus primeiros poemas nas páginas dos periódicos de sua região. Embora tenha nascido no Estado de São Paulo, Ruth passou boa parte da infância em Minas Gerais, em uma fazenda que era administrada por seu pai, onde conviveu com o povo caipira, recolhendo boa parte das histórias orais que formam sua obra literária.
Ainda antes de completar 18 anos, em 1938, Ruth Guimarães mudou-se para São Paulo e entrou no curso de Filosofia da Faculdade de Letras e Filosofia da USP. Nessa época, começou a trabalhar em um laboratório farmacêutico e a participar de reuniões promovidas pelo escritor Amadeu de Queiroz no porão da Drogaria Baruel. Lá, conheceu autores como Menotti Del Picchia, Jorge Amado, Péricles Eugênio da Silva Ramos e Edgard Cavalheiro.
Foi Cavalheiro quem a ajudou a publicar, em 1950, seu segundo livro, Os Filhos do Medo. Editado pela Editora da Livraria do Globo, foi lançado em um evento conjunto com Sagarana, de Guimarães Rosa, e Praia Viva, de Lygia Fagundes Telles. A escritora recebeu elogios de Érico Veríssimo e do respeitado crítico literário Antônio Cândido.
Ruth também passou a atuar como jornalista — publicou em grandes jornais como O Estado de S. Paulo e Folha de S.Paulo, além de atuar como tradutora, inclusive traduzindo obras do latim para o português. E, em sua cidade natal, trabalhou como professora. Casou-se com um primo, com quem teve nove filhos — oito deles com problemas de saúde, sendo que três portadores de síndrome de Alport, doença hereditária progressiva associada ao comprometimento renal, auditivo e oftalmológico.
Em 2007, em depoimento concedido ao Museu Afro Brasil, ela afirmou que “assim como somos um povo mestiço, todo cheio de misturas de todo jeito, a nossa literatura também é toda feita de pedaços de textos, de arrumações aqui e ali. Minha literatura é isso também. Eu conto a história da roça, de gente da roça, do caipira. Eu também sou caipira, modéstia à parte. Eu não me importei muito se havia uma tendência, ou se havia uma inclinação para contar a história do preto; como eu também sou misturada, o meu livro é misturado. Como eu sou brasileira, nesse sentido de brasileiro todo um pouco para lá, um pouco para cá, o meu livro também é assim, um pouco para lá, um pouco para cá”. Ela enfatizava que era necessário “saber da raiz negra de onde viemos”. “A história negra está por fazer, a literatura negra está por fazer, a poesia está por fazer”, disse.
A escritora tomou posse na cadeira 22 da Academia Paulista de Letras em 2008 e, mesmo após os 90 anos, seguia pesquisando contos do folclore paulista. Ela morreu em 2014, em decorrência de complicações da diabetes.
Em 2020 foram publicados ainda dois livros inéditos da autora, Contos Negros e Contos Índios. E outros dois devem chegar às livrarias em 2021 — Contos da Terra e do Céu e Contos de Encantamento.