Mariana Ayelen é uma mulher surda que se comunica em Libras, Língua Brasileira de Sinais, professora, contadora de histórias, atriz, poeta, performer, palestrante e apresentadora. Desde criança, Mariana gostava de artes e começou com aulas de teatro ainda pequena no bairro da Lapa. A maioria das pessoas do grupo era de ouvintes, sendo ela a única surda, e, algumas vezes, a comunicação era feita por mímicas, já que os colegas não sabiam Libras.
Na escola, durante o Ensino Fundamental, ela fez parte de um grupo de teatro. “Fui tentando achar espaço no teatro, mas nunca encontrei espaços maiores. No início dos anos 2000, comecei a participar me apresentando.”, conta. Em um certo momento de sua trajetória, Mariana perdeu temporariamente o contato com a vida artística, mas sempre se manteve próxima da comunidade surda e da Língua Brasileira de Sinais.
Na faculdade, ela se formou em Pedagogia, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (em 2012) e o tema de seu trabalho de conclusão de curso foi “O aprendizado da língua portuguesa por jovens e adultos surdos”. Depois, fez especialização em Ensino de Libras, pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (em 2015). Foi apenas em sua segunda pós-graduação, uma especialização em Arte na Educação, pela Universidade de São Paulo (em 2018), que retomou o contato com a arte, focando na expressão dos poetas surdos e sua relação com a Língua Brasileira de Sinais.
Ela acabou se aproximando do grupo de teatro Recriarte. “Nessa equipe, tinha surdos e ouvintes participando e interagindo. Esse foi o momento para olhar para mim, para minha prática e minhas experiências”, conta. Com vontade de se aprimorar, Mariana participou de uma oficina do Sesc Vila Mariana, em 2017, com o coletivo GRÃO. “Era uma oficina de acessibilidade, que trabalhou com o audiovisual. O melhor era ter contato com ouvintes, cegos, surdos.”, relembra a atriz. Ao final da oficina, foi produzido o longa-metragem "De Escuros e Silêncios", inspirado em Romeu e Julieta.
Junto a essa vontade também veio a descoberta do SLAM (uma competição de poesia falada). “O SLAM me ajudou muito a ter contato com outros poetas não surdos, a me reconhecer como uma pessoa capaz de criar arte de várias maneiras, de criar cultura de transitar entre o slam, a poesia, o teatro, performances e absorver tudo isso.”
Entusiasmada com as novas possibilidades, Mariana começou a produzir vídeos
que tornassem acessível o contato entre as pessoas não surdas e as surdas, pessoas cegas e videntes. “Ao final de cada projeto, eu queria mais participações, mais experiências. Foi quando surgiu “O Rouxinol e a Rosa”, baseado em um conto do autor irlandês Oscar Wilde, que venho desenvolvendo até hoje”, conta.
O espetáculo bilíngue (Português/LIBRAS) “O Rouxinol e a Rosa”, com o Coletivo GRÃO, estreou dentro do 23º Cultura Inglesa Festival, tendo em cena um ator cego – Edgar Jacques – e uma atriz surda – a própria Mariana Ayelen, além de um ator ouvinte e vidente, Eduardo Bartolomeu, todos cocriadores da obra, cada um mostrando a história como seus sentidos a absorvem, dialogando em sua língua e com o seu ponto de vista. O espetáculo tem como um dos objetivos criar um ambiente no qual o espectador possa explorar diferentes formas de ver a mesma coisa. A peça foi destaque no site especializado em peças infantis "Pecinha é a vovozinha". “Isso fez com que eu alcançasse um status profissional, enquanto atriz, e alguém que representa a comunidade surda e mostra sua capacidade profissional”, diz Mariana.
Antes mesmo de ingressar no GRÃO, Mariana pensava no desafio de como tornar a Libras em atuação e não apenas em um recurso de acessibilidade. Para a atriz, nas peças em que há intérpretes de Libras, o espectador pode desviar a atenção da peça para olhar o intérprete. Foi, então, que ela passou a se questionar sobre como melhorar essa experiência “Em O Rouxinol, o surdo estava dentro da cena, não era alguém separado”, ressalta.
Mariana também foi consultora e tradutora de Libras na Univesp e no FLICTS, Núcleo de Acessibilidade da TV Cultura, e apresentadora do programa Libras para Todos, da Unifesp TV, que estreou em 2021 como pílulas em vídeo com o objetivo de amplificar o diálogo e o entendimento entre pessoas surdas e ouvintes.
Para além do teatro e poesia, Mariana também é contadora de histórias com o grupo "Mãos de Fadas", com a intérprete Talita Passos. As contações são para surdos e ouvintes, mas as histórias são pensadas principalmente para os adultos. “Eu acho que é uma oportunidade da gente dizer para as pessoas ouvintes: 'Olha eu sou surda, como vocês se comunicam com uma pessoa surda? '. É o momento em que os ouvintes se sentem incomodados, ficam pensando em como fazer, em estratégias, e é muito legal, porque a gente ensina nesse espaço como lidar, a buscarem isso e se questionarem”, explica Mariana.