"A inclusão é o privilégio de conviver com as diferenças", diz Liane Martins Collares em sua palestra disponibilizada no YouTube. Liane inicia citando a frase da pedagoga e amiga Maria Tereza Mantoan e chamado para a inclusão da pessoa com síndrome de Down na sociedade, algo em que foi pioneira de muitos modos. Ainda no final dos anos 1960, quando pouco se falava em inclusão, ela acreditava ter sido a primeira criança com trissomia do 21 a frequentar a escola regular, direito que só seria garantido no país por lei a todas as pessoas com deficiência já perto dos anos 1990.
Seus pais conseguiram sua matrícula no Jardim de Infância Menino Jesus, em Bagé, no Rio Grande do Sul, em 1969, onde começou sua alfabetização, aos 6 anos. Ela concluiu a 8ª série (o equivalente ao atual nono ano do ensino fundamental) em outra escola regular, a Escola Minas Gerais, em Brasília, em 1995, tendo sido escolhida a oradora na formatura das quatro turmas da escola.
Em seus 60 anos de vida, Liane já atuou em peças, filme e comerciais, foi campeã de natação, ativista pelos direitos das pessoas com síndrome de Down, escritora, palestrante... e a lista não para de aumentar. Em 31 de março de 2023, no Dia Internacional da Síndrome de Down, fez uma palestra na ONU, em Nova York, representando a Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down e o Brasil. “Sou exigente demais. Aquilo que eu quero fazer, ninguém tira”, diz, cheia de determinação. Como no título do seu livro que publicou em 2004, ela é “Liane, mulher como todas”, com muitos sonhos e planos. No livro, ela retrata seu nascimento, sua trajetória escolar, além de seu sucesso no esporte e a inclusão no mercado de trabalho.
A escritora sempre cita o apoio da família, que considera fundamental. Quando criança, sua mãe, Marilei, notou que a filha estava demorando para começar a falar. Ao ver um anúncio de uma boneca Prosinha, da Estrela, que falava 14 frases, percebeu que o brinquedo poderia ajudar. Deu certo: Liane passou a repetir as frases, treinando a musculatura facial, e começou a falar. “E falo muito”, diz.
Aos 10 anos, Liane começou a praticar natação. A partir dos 15, começou a competir em eventos nacionais e, em 1991, foi selecionada para participar da Special Olympics International, em Minneapolis, nos Estados Unidos, em que conquistou duas medalhas de ouro, nas modalidades de nado costas e nado livre.
“O que é ser normal, se todos nós somos diferentes?”, pergunta Liane. “Tenho certeza de que minha caminhada servirá de inspiração para outras pessoas com deficiência e que possam ser incluídas na sociedade para exercer o pleno direito à cidadania. Também espero que a minha história possa ajudar casais que receberam filhos com síndrome de Down, sentindo que eles também podem ter uma vida plena”.
Ao longo de sua vida profissional, Liane trabalhou por nove anos na Sociedade Cruz de Malta, uma creche para crianças de até 5 anos. No governo do Distrito Federal, atuou na Secretaria da Mulher e Direitos Humanos por dois anos e, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), trabalhou por quatro anos, de 2010 a 2014, todos esses cargos com carteira profissional assinada. “Todos somos capazes, desde que nos deem as mesmas oportunidades”.