A doutora Ho Yeh Li nasceu em Taiwan, onde foi alfabetizada em taiwanês, e mandarim. Chegou ao Brasil quando tinha 10 anos e foi matriculada na escola pública, além de ter aulas particulares em português. No semestre seguinte, se transferiu para uma escola particular, onde teve uma professora de Português que a incentivou bastante e corrigia os erros de gramática e ortografia nas provas antes de lhe dar a nota. Formada em Medicina e com doutorado em Doenças Infecciosas e Parasitárias (causadas por vírus, bactérias, fungos, protozoários ou outros micro-organismos) pela USP (Universidade de São Paulo), a médica coordena, desde 2007, a UTI (Unidade de Terapia Intensiva) da Divisão de Moléstias Infecciosas e Parasitárias do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HC/FMUSP), onde ganhou reconhecimento no tratamento de pacientes com influenza A (H1N1), febre amarela e sarampo. Essa experiência a levou a ser convocada, no início de 2020, pelo Ministério da Saúde para a operação de repatriação (volta ao país) dos brasileiros que estavam em Wuhan, na China, primeiro epicentro da pandemia do coronavírus. “Demorou um pouco para cair a ficha. No começo, era um trabalho como outro qualquer. Quando vi a dimensão que as coisas tomaram, percebi que fiz algo diferente do que faço todo dia. Poucas pessoas na medicina moderna podem dizer que participaram de um processo de repatriação em plena epidemia de uma doença infectocontagiosa”, conta a dra. Ho. Além de todo o conhecimento, o fato de falar mandarim foi fundamental. A operação envolveu muitos desafios. Ho só teve contato com a chefe da missão na escala em Varsóvia, na Polônia. A médica é consultora do Ministério da Saúde e da Organização Pan-Americana da Saúde sobre o manejo de pacientes críticos com a COVID-19, a doença causada pelo coronavírus. No Hospital das Clínicas, é membro do comitê de crise e participa, na linha de frente, da expansão de leitos de UTI, assim como da assistência aos pacientes.
O interesse por medicina tem origem familiar, pois seu pai faz medicina chinesa, e Ho sempre o ajudou no atendimento aos pacientes, fazendo tradução. Mas, na época da escola, gostava mesmo da área de Exatas. No terceiro ano do Ensino Médio, ainda não sabia que curso iria prestar no vestibular. Levou a ficha em branco para o local da inscrição da Fuvest (vestibular que seleciona estudantes para a USP). Estava com 10 amigas, das quais 8 iam prestar Medicina. Acabou se inscrevendo também e passou.
Escolheu a área de infectologia por dois motivos principais: na infectologia, não se dedica a cuidar de apenas um órgão ou sistema do corpo. “Vejo o paciente como um todo, e acho que todos os médicos precisam entender que seus pacientes não são um cérebro ou um coração ou um rim, que todos os órgãos são interligados”, explica. Segundo ela, outro motivo foi que, na infectologia, se compreendermos como o agente infeccioso (um vírus, por exemplo) atua, conseguiremos entender o porquê da manifestação clínica (sintomas), das alterações laboratoriais (resultados alterados nos exames) e, por fim, como tratar. “Acho que é a especialidade médica mais completa (outra é a terapia intensiva) que temos”, diz. Para ela, a principal dificuldade para uma infectologista que atua na terapia intensiva é que ainda se sabe muito pouco sobre a doença causada pelo coronavírus. Para as meninas que sonham ser médicas, ela recomenda escolher a especialidade que gosta, sem se preocupar se é considerada mais “masculina” ou “feminina”. “Isso (dividir as especialidades por gênero) está diminuindo e espero que um dia acabe. Fazer aquilo que se gosta é fundamental para você se sentir recompensada”, aconselha. “Ainda enfrentamos mais dificuldades para assumir coordenações. Portanto, precisamos mostrar mais conhecimentos, mais expertise, mais firmeza.” É difícil? Sim, mas a Ho está aí para mostrar que é possível.