Filha de pai austríaco e de mãe húngara, Hedwig Eva Maria Kiesler nasceu em Viena, em 9 de novembro de 1914. Desde menina, foi incentivada pelos pais a estudar e a aprender várias línguas. A garota recebeu muita atenção de seu pai, que a inspirava a olhar o mundo com curiosidade. Durante as longas caminhadas que faziam juntos, pai e filha discutiam o mecanismo interno das máquinas. Aos 5 anos, desmontou e remontou uma caixinha de música.
Sua mãe, pianista, a apresentou às artes, e a menina fez aulas de balé e piano desde muito nova. Aos 16 anos, apareceu em seu primeiro filme. Chegou a iniciar o curso de Engenharia, mas seu primeiro marido, o fabricante de armas Friedrich Mandl, a obrigou a abandonar os estudos. Ele não aprovava sua carreira como atriz: “Eu sabia muito em breve que nunca poderia ser atriz enquanto fosse sua esposa. Ele era o monarca absoluto no casamento. Eu era como uma boneca. Eu era como uma coisa, algum objeto de arte que tinha que ser guardado – e preso – sem mente, sem vida própria”.
Com a ascensão do nazismo, que resultaria na Primeira Guerra Mundial, ela, que tinha origem judaica e estava sob risco de perseguição com as leis antissemitas impostas por Hitler, acabou deixando o país, indo primeiro para Paris e depois para Londres, enquanto arquitetava um plano para fugir do casamento (o marido se aliou ao governo nazista). Foi então para os Estados Unidos, onde finalmente pôde se sentir em segurança. Do casamento, levou o conhecimento sobre armas, já que ouvia sempre atenta as conversas de seu marido com convidados ligados ao setor.
Depois de conhecer Louis B. Meyer, o magnata do estúdio de cinema Metro Goldwyn Mayer, adotou o nome artístico Hedy Lamarr, em homenagem à falecida atriz Barbara La Marr, e se transformou numa grande estrela. Quando lhe ofereceram pagamento de 125 dólares por semana para atuar, ela se recusou e conseguiu negociar cachê semanal de 550 dólares. Com seus cabelos escuros repartidos ao meio, Hedy era considerada referência de beleza e inspirou o visual de Branca de Neve, no primeiro longa-metragem de animação da Disney, que estreou em 1937. Contracenou com grandes nomes da época, como Clark Gable e Judy Garland e, anos depois, ganhou uma estrela na Calçada da Fama de Los Angeles.
Em Hollywood, conheceu o empresário e piloto Howard Hughes, com quem iniciou um namoro. Hughes, interessado em estimular o espírito inovador de Hedy, ofereceu a ela um pequeno conjunto de equipamentos para usar em seu trailer no set. Enquanto ela tinha uma mesa inventora montada em sua casa, o pequeno conjunto permitia que Lamarr trabalhasse em suas invenções no intervalo entre as filmagens.
Apesar de nunca ter feito um curso universitário, Hedy era uma inventora nata, faceta que demorou a ser conhecida do grande público. Entre as ideias de Hedy estavam um sistema de semáforos aprimorado e uma pastilha que, misturada à água, se transformaria numa espécie de refrigerante. Mas sua maior contribuição foi a criação, em parceria com o compositor George Antheil, do sistema de “salto em frequência”, planejado originalmente para guiar torpedos submarinos usando sinais de rádio.
A solução veio da obra Ballet Mécanique de Antheil: a sincronização entre emissor e receptor seria feita exatamente como Antheil fez ao sincronizar 16 pianos no filme, usando rolos perfurados. Transportando para os transmissores e receptores de rádio, ele e Hedy Lamarr desenvolveram uma técnica capaz de usar 88 frequências diferentes numa mesma transmissão, o mesmo número das teclas de um piano. Ambos experimentaram ao piano, em um dueto: ela repetindo em outra escala as notas que ele tocava, testando o controle dos instrumentos. A ideia recebeu o nome de Sistema de Comunicação Secreta.
Esse sistema é a base para o espectro de propagação de salto de frequência (FHSS, na sigla em inglês), no qual se baseiam as redes sem fios e que dariam origem à internet Wi-Fi, ao sistema GPS e à conexão Bluetooth. Se você se comunica usando um celular, agradeça à mente criativa de Hedy. Com ele, o sinal de rádio "salta" de um canal para o outro de modo aleatório e sem perder a conexão. Assim, o sinal sofre menos risco de interferência e de congestionamento, além de tornar mais difícil sua interceptação. Na época, esse tipo de armamento era controlado por sinais abertos de rádio. Para conter os ataques, a marinha nazista causava congestionamento na frequência usada na comunicação dos submarinos e derrubava a conexão.
Já com o sistema concebido por Lamarr, o sinal fica "pulando" de um canal para o outro, impedindo essa estratégia de defesa. Hedy e Antheil registraram a patente da invenção em 1942. A patente foi assinada como Hedy Kiesler Markey, porque a inventora achou que não seria levada a sério ao usar seu nome artístico, Hedy Lamarr. Os dois inventores tentaram ceder a patente ao exército dos Estados Unidos, mas o governo não os levou a sério, e a invenção não foi usada durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). A tecnologia para implementar o sistema era avançada demais para a época. O projeto ficou esquecido até 1962, quando o aparelho inventado por Lamarr passou a ser usado por tropas militares dos Estados Unidos em Cuba durante a Crise dos Mísseis e, posteriormente, durante a Guerra do Vietnã (1955-1975). Mas a patente já havia expirado.
Apenas em 1997 Hedy foi reconhecida por sua invenção, quando a Electronic Frontier Foundation concedeu a ela e a Antheil o Prêmio Pioneer (o Oscar dos inventores). Hedy também se tornou a primeira mulher a receber o Prêmio Espírito de Realização Bulbie Gnass da Convenção de Invenção. Embora ela tenha morrido em 2000, Lamarr foi incluída no Hall da Fama da National Inventors para o desenvolvimento de sua tecnologia de salto de frequência em 2014.