Emy Yamauchi

Seu sonho desde criança era ser desenhista. Ou melhor, trabalhar como desenhista, porque já desenhava e muito bem. E lá foi ela, com sua pasta de desenhos debaixo do braço para o prédio da Folha de S. Paulo, no centro da capital paulista, mostrar sua arte. Até aqui, parece a história de um certo desenhista, né? Mas isso aconteceu mais de uma década depois do dia em que Mauricio de Sousa levou seus desenhos ao mesmo jornal e acabou tendo que aceitar uma vaga de repórter policial, porque o diretor de arte da época achou que ele não tinha talento (spolier: só que ele tinha). Emy tinha pouco menos de 18 anos quando pediu para sua mãe que a levasse até a sede da Folha e procurasse pela editora do suplemento infantil Folhinha, Lenita Miranda de Figueiredo. Mais conhecida como tia Lenita, ela havia criado o caderno em 1963, ao lado de Mauricio de Sousa.

Emy era leitora da Folhinha na infância e adorava as histórias do dinossaurinho Horácio, publicadas na última página do caderno e criadas e desenhadas por Mauricio. Naquele dia, tia Lenita estava de férias, e sua secretária disse: “Por que você não vai lá no Mauricio de Sousa? Ele fica no último andar”. A menina Emy levou um susto: “Nossa! Mostrar os desenhos de repente? Mas foi assim que cheguei ao Mauricio”, conta.

Naquele tempo, final dos anos 1960, a equipe de Mauricio ainda era pequena. Ele mesmo fazia muitos dos desenhos, ao lado de talentos como Sidnei Louzano Salustre, conhecido como Sidão (e inspiração para o personagem Louco), desenhista que trabalha até hoje na Mauricio de Sousa Produções, e dos arte-finalistas Sergio Graciano e Alice Takeda (depois esposa de Mauricio e líder diretora executiva do Estúdio de Arte).

“Mauricio olhou meus trabalhos e falou: ‘Você tem de treinar os desenhos aqui da casa’”. Ele me deu os gibis e falou para eu desenhar os personagens. Fui pra casa, fiz os desenhos e voltei lá. Mostrei pra ele, parece que gostou. Fiz alguns desenhos da Mônica, fiz até umas ceninhas, achei que seria bom”, conta Emy. Mauricio olhou o material da jovem, fez cara de quem gostou e falou: “Você pode ficar aqui nessa prancheta na frente do Sidão. Vai treinando e mostra pro Sidão pra ver se está bom”. Mauricio fazia uma espécie de rascunho do desenho, que Emy chama de “araminho”, e Emy finalizava o traço e mostrava para Sidão e depois, para o Mauricio.

Naquele comecinho, os traços dos personagens eram mais agudos, a Mônica e o Cebolinha eram mais “bicudos”. Emy contribuiu para que, aos pouquinhos, ao longo dos anos, os traços dos personagens fossem se arredondando mais e mais. Em 2005, quando o hoje editor das graphics MSP, Sidney Gusman, convidou os artistas da Mauricio de Sousa Produções para participarem de uma edição especial chamada Ouro da Casa, a história em quadrinhos assinada por Emy mostrava a Mônica entrando num salão de beleza com seu rosto bicudinho dos primeiros tempos e saindo com a carinha arredondada.

Nossa desenhista vem de uma família de mulheres à frente de seu tempo. A mãe, empreendedora, teve uma oficina de costura e criava seus próprios modelos, que vendia nos banheiros femininos das empresas. “Eram bem modernos. Ela criou até uma saia vermelha de napa (tecido que imita couro)”. Depois que o pai de Emy morreu, a mãe decidiu ir para Paris. Matriculou-se num curso de estética e conseguiu visto de estudante.

Emy gosta de pôr o pé na estrada com o marido Daniel (eles se conheceram na MSP), seja no Brasil ou em outras partes do mundo. Já visitou lugares como Japão – de onde veio seu pai e onde nasceram seus avós – Tailândia, Indonésia, Estados Unidos (adora o deserto do Arizona), México, Chile, Peru e a antiga Iugoslávia, um ano antes da guerra que dividiu o país em outros sete. Uma de suas aventuras mais recentes, pelo Uruguai, foi a bordo de uma Kombi transformada em motor home.

Em 2023, quando a Dona da Rua completou 60 anos, Emy foi homenageada por Mauricio e aplaudida por toda a empresa por sua importância na história da MSP e na da dentucinha mais famosa dos quadrinhos. Lá nos anos 1970, Emy se identificava com o visual da Tina, uma jovem hippie, que usava calça boca de sino e já defendia os direitos da mulher. Hoje, aos 70 anos, ela usa camiseta e jeans e seu personagem predileto segue sendo o Horácio. Se não tivesse seguido a carreira de desenhista, ela diz que gostaria de ter sido cientista, de preferência astrônoma. Quando perguntamos o que mudou com o passar da idade, ela diz: “Ganhei experiência”.

Emy é a responsável pelos desenhos das releituras em que as personagens meninas se vestem de mulheres célebres da história ou de mulheres cujas histórias podem inspirar meninas a acreditarem em si mesmas e correrem atrás de seus sonhos como ela fez. Ela merece ser a 100ª dona da rua!

Fonte: entrevista a Larissa Purvinni, em 26 de março de 2024

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