Primeira escritora indígena do Brasil, Eliane Potiguara teve seu amor pelas histórias despertado por sua avó, Maria de Lourdes de Souza. Sem uma educação formal, dona Lourdes tinha uma grande sabedoria sobre as histórias orais do seu povo. A história de Eliane, assim como a dos povos indígenas, também foi formada por episódios difíceis.
Seu bisavô, o indígena potiguara Chico Solón de Souza, desapareceu por volta de 1920. Naquele tempo, a região do
povo de Eliane era área de plantação de algodão, onde a mão de obra indígena era explorada, na Paraíba. Os indígenas que não aceitassem as condições podiam ser
assassinados e suas famílias sofriam perseguição.
Para fugir dessa situação, a família de Eliane se mudou para o Rio de Janeiro, e a coube à avó Lourdes manter as tradições da cultura potiguara por meio das histórias que contava. Eliane se alfabetizou por volta dos 7 anos. Era ela
que lia as cartas que a avó recebia e redigia as respostas.
A autora se formou em Letras e Educação pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e se especializou em Educação ambiental pela UFOP (Universidade Federal
de Ouro Preto). Em dezembro de 2021, recebeu o título de doutora Honoris Causa pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro, o primeiro concedido a uma indígena.
Sempre contou com o apoio das mulheres da família. A mesma avó que tanto a ensinou, sofria preconceito por causa de sua classe social e etnia. Eliane percebia isso e quis escrever também para que os indígenas se orgulhem de sua identidade e cultura. Dona Lourdes lutou para que a
neta se formasse e realizou o sonho de vê-la se tornar professora.
Quando a avó morreu, Eliane foi para o Nordeste para conhecer a verdadeira história de sua família. A força das
suas ancestrais inspirou muito de sua literatura, como mostra o poema O segredo das mulheres, dedicado “à amada tia Severina, índia Potyguara, grande anciã
guerreira que muito me incentivou e me amou com a força da mulher indígena”. O poema fala da importância da união: “No passado, nossas avós falavam forte/ Elas
também lutavam/ Aí, chegou o homem branco mau/ Matador de índio/ E fez nossa avó calar/ E nosso pai e nosso avô a abaixarem a cabeça./ Um dia eles entenderam/ Que deviam se unir e ficar fortes/ E a partir daí eles lutaram/
Para defender sua terra e cultura./ Durante séculos/ As avós e as mães esconderam na barriga/ As histórias, as músicas, as crianças,/ As tradições da casa,/ O sentimento da terra onde nasceram,/ As histórias dos velhos/ Que se reuniram para fumar cachimbo./ Foi o maior segredo das avós e das mães./ Os homens, ao saberem do segredo,/ Ficaram mais fortes para o amor, lutaram/ E protegeram as mulheres./ Por isso, homens e mulheres juntos/ São fortes/ E fazem
fortes os seus filhos/ Para defenderem o segredo das mulheres./ Pra que nunca mais aquele homem branco/ Mate a história do índio!”.
A escritora fundou a primeira organização de mulheres indígenas no Brasil: o GRUMIN. Na ONU, participou da elaboração da “Declaração Universal dos Direitos
Indígenas”. Publicou livros, participou de coletâneas e criou primeiro jornal indígena. O livro A Terra é a Mãe do Índio, de 1989, fala sobre a cultura indígena e denuncia a violência contra os povos originários. A obra foi premiada
pelo Pen Club da Inglaterra. Metade Cara, Metade Máscara, de 2004, traz crônicas e poesias sobre as experiências com as mulheres de sua vida. Em A cura da Terra, de 2015, Eliane Potiguara conta a história de Moína, uma menina indígena que gosta de se aconchegar nos braços da avó para ouvir histórias.
Foi nomeada Embaixadora Universal da Paz em Genebra e indicada pelo Círculo Universal dos Embaixadores da Paz, da ONU, para defender a paz no mundo. Em 2005, foi indicada ao projeto Internacional “Mil mulheres ao Prêmio
Nobel da Paz”. Em 2014, recebeu o título de “Ordem do Mérito Cultural”, na classe “Cavaleiro“, concedido pelo governo brasileiro em reconhecimento às contribuições prestadas à cultura do país.